segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Engatar na net

Para os gays e lésbicas a internet foi um meio que lhes possibilitou contactar com outros. A possibilidade de falar com outro desde o anonimato e ter vários perfis a quem se dirigir transformou-se num dos maiores métodos de engatar.

Até há uns anos atrás, o engate resumia-se a sítios de cruising e bares gays nas grandes cidades (Lisboa e Porto). A net possibilitou encontrar pessoas com as quais sentes afinidades, estás cómodo, compartes algo (além do facto da tua homossexualidade) e com a possibilidade de seleccionar regiões e cidades. Para os mais fervorosos utilizadores da net, o facto de se poder conversar anonimamente e sem tabus, faz com que a relação seja mais sincera e directa já que, ambos procuram o mesmo. Os detractores, por seu lado, baseiam-se no facto de grande parte dos utilizadores da net mentirem sistematicamente.

Todos conhecemos histórias de um amigo que marcou encontrar-se com outro que, afinal, não era louro nem tinha os olhos azuis, nem 19 anos, mas existem histórias de amigos que se conheceram há 4 ou 5 anos e que continuam como namorados, ainda que um seja de Castro Verde e outro de Leiria.

Os chats evoluíram, já não servem só para teclar e passar o tempo, senão que possibilitam colocar os parâmetros de procura para encontrarem o que precisam ou desejam. São os portais que foram aparecendo, nos quais crias um perfil com informação mais detalhada sobre quem procuras, com fotografia e uma infindável relação de dados com os quais poderás perder horas a preencher.

Há quem diga que esta “oferta virtual” é apenas um boneco que nos inventamos de nós próprios. São muito frequentes os perfis sem foto que procuram discrição, talvez porque a maioria uma relação heterossexual e o fazem para matar a sua própria curiosidade. Também abundam os perfis dos tímidos que não colocam foto, nem características, aguardando que a sorte lhes bata à porta. O grupo dos casados é enorme e cada vez mais procurado.

As mentiras suaves são as mais habituais: O adolescente diz-se mais velho, e o mais velho diz-se mais jovem; o alto diz-se mais baixo e o baixo mais alto; o castanho claro dos olhos transforma-se em verde para alguns, para não falar da não correspondência que existe, muitas vezes, entre as fotos com a realidade.

Os rapazes novos, menores, aproximam-se cada vez mais a estes serviços de contactos. Na maioria dos casos dizem ter 18 anos mas muitas vezes caem nas mãos de velhos especialistas nos chats que descobrem a sua idade verdadeira e aproveitam-se da sua inexperiência para leva-los para o seu terreno.

A decepção é uma coisa frequente no primeiro encontro para aqueles que combinam conhecer-se. Nesse primeiro encontro a história pode ficar-se pela decepção, ou a pessoa “decepcionada” pode esquecer toda a ideia prévia que se tinha feito do outro e começar do princípio e de novo a conhece-lo tal qual ele é. O olhar, o tom de voz, a forma de movimentar as mãos, mexer no cabelo e outros elementos da linguagem não verbal são coisas que ainda hoje a máquina não consegue transmitir à distância.

Parece que a maneira de encontrar namorado e até de relacionar-nos com os outros evoluciona até esse contacto cibernético. Podemos até intuir se uma pessoa é mais ou menos carinhosa dependendo de quantas carinhas amarelas sorridentes nos coloca no Messenger, se é nervoso ao confundir letras do teclado quando nos escreve, se não lhe interessamos ao tardar em responder-nos, se é egocêntrico só tendo como foto a sua cara ou se até é convencido quando a muda constantemente. Sabemos a importância que para ele tem a família e os amigos pela forma como a eles se refere. Podemos saber se mente se as suas respostas coincidem com o passar do tempo, a sua impaciência se pergunta a toda a hora: “tas? Cais-te”, as suas intenções vendo as suas perguntas.

Os defensores do chat e dos contactos através da internet dizem que é a comunidade mais transparente e sincera que existe. A única forma de podermos conhecer uma pessoa na sua essência sem condicionalismos externos, sem fixar-nos no aspecto físico em primeiro lugar. Permite, segundo dizem, confiar numa pessoa com a segurança que dá o facto de não te ver, de poder dizer-lhe o que queres e deixar sair os teus sentimentos sem a preocupação do olhar ou do que possa estar a pensar. É uma saída que tens a qualquer hora do dia, para uma sala cheia de gente com vontade de conhecer-te e de falar contigo, e nem sequer te tens de preocupar em ficar bem perante eles, podes sair dessa sala quando quiseres, sem sequer dizer adeus. Podes comportar-te seguindo apenas a tua consciência, porque no caso de não seres correspondido, virá outro no seu lugar. A impessoalidade faz com que ninguém seja insubstituível pelo que ninguém terá saudades tuas.

O resultado é um paradoxo, pois a procura do não estar sozinho, partilhar algo com os outros... transforma-se, por vezes, em algo difícil de encontrar e que pode levar-nos à clausura dos nossos quartos, deixando de estar com uns primos por pensar que os do chat nos vão entender melhor, e no final encontremos aborrecimento e, mais estranho, solidão.

Javier Fernandéz
Tradução GayAlentejo